Cuidados Intensivos ao Paciente com Quadro de Insuficiência Hepática Grave

Cuidados Intensivos ao Paciente com Quadro de Insuficiência Hepática Grave

 A Insuficiência Hepática Aguda (IHA) é uma síndrome aguda grave resultante da rápida dateriorização da função hepática, complicada pelo aparecimento de encefalopatia hepática e disfunção de múltiplos órgão em indivíduos sem doença hepática prévia. Geralmente está associada ao aparecimento de distúrbios de coagulação (geralmente INR >1,5) .

O fígado tem aproximadamente 2% do peso corporal total de um adulto e é responsável por uma lista aparentemente interminável de atribuições complexas e inter-relacionadas, seu funcionamento regular é um dos elementos chave na homeostasia de praticamente todos sistemas orgânicos. Ainda que dotado de uma reserva funcional extraordinária e uma grande capacidade de regeneração tecidual, diversos fatores e agentes de lesão direta ou indireta do fígado, comumente encontrados no ambiente externo, podem levar a perda maciça da função hepatocitária no momento em que os mecanismos de agravo suplantam as vias de defesa do tecido. O desenvolvimento de um estado de insuficiência hepática aguda ou falência fulminante do órgão se dá quando o evento supracitado ocorre num período relativamente curto de tempo diferenciado-o das situações de acometimento crônico com perda gradual da função hepática. Os pacientes acometidos pela enfermidade aguda são considerados doentes críticos, habitualmente manejados em ambientes de terapia intensiva, por apresentarem complicações graves que incluem edema cerebral, sepse, distúrbios de hemostasia, sangramentos digestivos e insuficiência de outros grandes sistemas do corpo (insuficiência renal aguda, insuficiência respiratória aguda, colapso cardiovascular, entre outras). Não é de se causar espanto, portanto, que taxas de letalidade variando entre 40 e 95% (sem transplante) ainda sejam relatadas na literatura médica a despeito de todos os avanços das medidas de suporte intensivo nas últimas décadas. Face à gravidade do quadro clínico, simplesmente não há tempo hábil para que o fígado possa recuperar sua funcionalidade já que uma parcela significativa dos doentes morre no decorrer da evolução da síndrome. A regeneração completa do órgão sem seqüelas teciduais é a regra nos casos que sobrevivem sem transplante. Felizmente a ocorrência da insuficiência aguda do fígado é um evento incomum com aproximadamente 2000 casos registrados por ano nos Estados Unidos. Além disso, o transplante hepático, única medida de cura efetiva e conseqüente chance de sobrevida nos casos em que a recuperação espontânea não é provável, tem se tornado cada vez mais disponível nos grandes centros médicos associado à esperança do desenvolvimento de sistemas artificiais de substituição hepática que permitam a sobrevivência do doente pelo tempo necessário para que haja regeneração do fígado nativo ou para a aquisição de um novo órgão para sua substituição.
   
Etiologia
A insuficiência aguda do fígado representa a via final comum de lesão hepática extensa por uma variedade de agentes etiológicos diferentes, sendo eles de ordem medicamentosa, viral, e outras etiologias.


1- Etiologia Medicamentosa
Reação adversa a medicamentos constitue a principal causa de insuficiência hepática aguda em países ocidentais desenvolvidos sendo responsável por mais da metade dos casos relatados na literatura. Grande parte das medicações utilizadas na medicina moderna é metabolizada pelo fígado sendo que quase mil drogas diferentes estão implicadas, de forma direta ou indireta, a uma lesão tecidual substancial do mesmo.
O analgésico paracetamol ou acetominofeno é, sem duvida, a medicação hepatotóxica de maior notoriedade no mercado farmacêutico sendo a causa mais comum de insuficiência hepática aguda nos Estados Unidos, Inglaterra e outros países desenvolvidos.

2- Etiologia Viral

Diversos tipos diferentes de vírus podem levar a um quadro de hepatite aguda com desenvolvimento de insuficiência fulminante do figado. A maioria absoluta dos casos, porém, está associada aos virus hepatotrópicos (vírus da hepatite A, B/D, C e E) com uma variação importante no risco relativo de doença, curso clínico e prognóstico. Hepatite pelo virus B (HBV) é considerada a causa principal de insuficiência hepática aguda no mundo sendo responsável por até 50% dos casos em nações subdesenvolvidas.

3-Outras Etiologias

Alguns casos de insuficiência aguda do fígado são específicos do período gestacional. A degeneração gorda do orgão pode ocorrer agudamente por motivos obscuros no 3o trimestre de gravidez e levar a um quadro de falência hepática com alta letalidade materna e fetal. A interrupção da gestação é terapêutica curativa nesta situação. A síndrome HELLP (hemólise, alteração de enzimas hepáticas e trombocitopenia), associada à doença hipertensiva especifíca da gestação, é outra causa de lesão maciça do fígado que pode ser prevenida pelo parto da criança. Uma vez instalada necrose hepatocelular significativa, o quadro toma um curso severo e agudo com mau prognóstico materno-fetal.

Avaliação Inicial


O enfermeiro intensivista deverá registrar no Histórico de Enfermagem no momento de sua elaboração, informações visando definir possíveis exposições a agentes virais, medicamentos ou outros. No exame físico, o enfermeiro deve dar atenção especial ao estado mental do paciente, condições da pele (coloração, turgor) e a inspeção e palpação abdominal. Os exames laboratoriais devem revelar a gravidade da IHA, apresentando elevação acentuada das enzimas hepáticas em até 40X o seu valor normal.

Sinais Clínicos
Na maioria das situações os pacientes expressam uma série de sinais e sintomas inespecíficos referentes a um estado de acometimento sistêmico, como: anorexia, astenia e fadiga. Febre, mal-estar geral e mialgia são comuns em quadros de origem infecciosa podendo, em algumas situações, apontar um agente específico.
A presença de icterícia e ascite também é observada.
O desenvolvimento da disfunção neurológica constitui o fator clínico definidor da insuficiência hepática fulminante diferenciado-a das formas severas de hepatite aguda. A base fisiopatológica do acometimento encefálico é multifatorial e ainda mal compreendido estando provavelmente associada a alterações no balanço energético e na neurotransmissão.
Insuficiência renal aguda ocorre em 40 a 80% dos pacientes sendo um fator importante de morbi-mortalidade na síndrome de falência fulminante do fígado. O desenvolvimento de oligúria e a elevação da creatinina sérica são os principais marcadores da complicação que pode evoluir sem alterações significativas nos níveis de uréia sérica devido ao comprometimento da formação hepática da mesma.
Náusea e vômitos são manifestações frequentes nas fases iniciais da falência hepática. Habitualmente algum grau de diarréia é esperada pelo uso da lactulose no controle da encefalopatia porém, estágios mais avançados podem cursar com íleo adinâmico decorrente de distúrbios eletrolíticos, efeito de medicações (opióides) ou sepse.

Prognóstico

O prognóstico global da insuficiência hepática aguda é ruim com taxas de mortalidade que podem se aproximar de 80% dos casos não transplantados. Nos últimos 15 anos, porém, a incorporação do transplante de fígado revolucionou a evolução dos pacientes acometidos pela enfermidade (taxas esperadas de sobrevida em torno de 80%) tornando-se a principal modalidade terapêutica nessas situações54,55,56. A decisão quanto à realização do procedimento, no entanto, implica no uso de um recurso escasso (fígado para transplante), na imunossupressão vitalícia do paciente e num alto custo hospitalar com uma mortalidade perioperatória de até 30%57. Tais reflexões associadas ao fato de que há a possibilidade de recuperação espontânea da função hepática mesmo nas mais profundas encefalopatias inviabilizam a substituição do órgão como terapia universal na síndrome. A capacidade de predizer precocemente e de forma acurada quais pacientes se recuperaram espontaneamente e quais sucumbiram sem transplante é, portanto, de fundamental importância no acompanhamento médico.


Cuidados de Enfermagem


Os cuidados específicos de enfermagem ao paciente portador de IHA devem incluir em sua admissão:
1. Avaliar e anotar características da pele;

2. Avaliar estado mental;

3. Preparar material para intubação orotraqueal;

4. Manter leito à 45°;
5. Administrar medicamentos prescritos;

6. Restringir paciente ao leito em caso de agitação e confusão mental;
7. Realizar a passagem de SNG e medir e anotar características do volume drenado;
8. Realizar passagem de SVD e monitorar fluxo urinário;

9. Preparar material para passagem de cateter venoso central;

10. Ficar atento para sinais de edema cerebral;

11. Medir circunferência abdominal pelo menos 1X/dia;

12. Manter jejum VO absoluto;
13. Avaliar coagulograma
 diariamente;
14. Evitar higiene oral com escovação dentária se paciente apresentar plaquetopenia;

15. Evitar múltiplas punções venosas periféricas;
16. Monitorar criteriosamente os níveis de glicemia capilar;
17. Ficar atento a sinais de acidose metabólica;
18. Suspender anticoagulates em caso de alteração significativa no coagulograma.

 
Referências Bibliográficas
Bibliografia
1. Lee WM: Acute Liver Failure. N Engl J Méd 329:1862, 2008.

2. LuckeB, Mallory T: The fulminant form of epidemic hepatitis. Am J Pathol 22:867, 2005.

3. Trey C, Davidson CS: The management of fulminant hepatic failure. Em: Popper H, Schaffner F “ Progress in Liver Disease”, vol. 111. New York: Grun & Stratton, 2002

4. Gimson AE, O’Grady J, Ede RJ: Late onset hepatic failure: clinical, serological and histologic features. Hepatology 6:288, 2009.

5. Bernau J, RueffB, Benhamou JP: Fulminant and subfulminant hepatic failure – Definitions and Causes. Semin Liver Dis 6:97, 2009.

6. O’Grady JG, Williams R: Classification of acute liver failure. Lancet 342:743, 2010.